Quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Mesmo com uma eventual rescisão do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, as provas colhidas pela Polícia Federal continuam a valer dizem juristas

Mesmo com uma eventual rescisão do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, as provas independentes colhidas pela Polícia Federal (PF), assim como pontos já corroborados pelos investigadores, continuarão a fundamentar os inquéritos que atingem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. Essa é a avaliação de criminalistas e professores sobre possíveis consequências de uma derrubada da colaboração do ex-ajudante de ordens da Presidência.

Eles alertaram que a questão central para se tratar dos impactos de uma eventual rescisão é: quem foi o motivador do rompimento do acordo, o fato de a anulação ser vista como uma medida extrema e que, a depender dos termos do pacto fechado entre Cid e as autoridades, há níveis de punições, anteriores à anulação do acordo.

Criminalistas entendem também que as gravações de Cid podem abastecer as defesas de outros investigados implicados pelo militar, como o próprio Bolsonaro.

Sergio Salomão Shecaira, professor de Direito Penal da USP, ponderou que os relatos de Cid “muito provavelmente” estão corroborados por outras provas e que essa situação, eventualmente, pode “permitir que se prescinda” da delação.

De outro lado, há a hipótese de que a colaboração seja necessária para que haja uma continuidade na investigação de algum fato determinado – vertente que pode implicar um “enfraquecimento” da investigação.

“Morto”

“Vamos imaginar o seguinte. Nós não sabíamos que uma pessoa morreu. Mauro Cid chega e fala João morreu. As pessoas vão atrás e acham o cadáver. Eu não posso partir da premissa que João não tenha morrido porque foi invalidada a delação. Se eu achei o cadáver, João está morto. Tudo aquilo que ele falou e que foi confirmado por outras formas de provas é válido, no sentido de que o que ele indicou de fato aconteceu. João morreu. Agora, se ele falou João está morto e não encontrou a prova da morte, o simples fato de não ter encontrado já enfraquecia a prova.”

O professor Maurício Zanoide, titular de Processo Penal da Faculdade de Direito da USP, considera que a questão central de uma discussão sobre os impactos de uma eventual derrubada da delação de Cid é a “causa”. “A rescisão seria declarada por culpa de quem? Quem cometeu a irregularidade? A partir daí há possíveis meios de prova que devem ser tirados da mesa.”

Ele afirmou que, na hipótese de uma rescisão, os relatos de Cid – o termo de delação e o vídeo dos depoimentos – não podem ser usados pela Polícia Federal. “Quando Cid estava preso, a PF fez apreensões na casa dele. Eles já tinham elementos, e depois eles foram usados por ele para dar uma contextualização. Essa contextualização, que é o depoimento, sai da mesa, mas o que foi narrado aos policiais eles não vão esquecer. Eles vão saber narrativa e vão dizer: ‘Aquela nossa suspeita ele confirmou, mas já tínhamos o documento’”, afirmou. “A informação é sabida, ninguém deslembra.”

Um cenário diferente é se Cid levou um documento que a polícia não tinha. “Aí a questão não é da narrativa, ela continua não sendo mais usável. Mas a pergunta é o que fazer com os documentos. Se a parte que cometeu a irregularidade que levou à rescisão não foi o órgão público, eles vão querer usar aqueles documentos.”

“Contaminação”

Há ainda a questão das provas que só foram obtidas em razão de “informações que foram tiradas da mesa por causa da violação do negócio jurídico processual”. De acordo com o professor, a eventual contaminação de provas depende do quanto a delação, se declarada nula, resultou em determinado achado ou baseou uma decisão. “As contaminações por derivação se dão para frente e não para os lados”, indicou.

Zanoide disse que é necessário avaliar de onde partiram as informações que culminaram em determinada descoberta, na investigação – delação, levantamento de campo, quebra de sigilo. Assim é possível classificar os achados como “fonte independente de prova”, não impactada por qualquer decisão quanto à delação de Cid.

Shecaira explicou que a delação premiada depende de uma confirmação, uma vez que o investigado concorda em falar com as autoridades sob uma “pressão geral”.

“É algo que ele não gostaria de fazer, delatar pessoas com as quais ele esteve envolvido durante o período, mas ele ainda assim o faz porque ele tem elementos de convicção e prova que podem permitir você chegar a outros fatos.”

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