Domingo, 05 de maio de 2024

Nova regulação da União Europeia pode trazer avanços em direitos humanos

O Regulamento da União Europeia para Produtos Livre de Desmatamento (EUDR – European Union Deforestation-Free Regulation) tem levantado polêmica sobre o caráter unilateral da sua criação e acumulado questionamentos sobretudo ao desafio de rastrear e monitorar a cadeia produtiva para comprovar que as commodities foram produzidas em áreas livres de desmatamento.

Entretanto, a regulação também demanda informações que atestem que o produto foi feito respeitando direitos laborais e humanos protegidos internacionalmente, bem como as consultas livres, prévias e informadas a povos indígenas, conforme a resolução OIT número 169. Esses são aspectos altamente relevantes, dado o contexto de violação de direitos humanos nas cadeias produtivas no Brasil.

Lançado em 2023 e com previsão de entrar em vigor a partir de dezembro desse ano, o EUDR tem como objetivo eliminar o desmatamento impulsionado pelo consumo e produção das seguintes commodities agrícolas e industriais: gado, soja, óleo de palma, café, cacau, madeira e borracha — provenientes de áreas de floresta desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Para isso, a regulação demanda dos operadores e comerciantes um conjunto de regras obrigatórias de devida diligência, que inclui: coleta de informações, avaliação e mitigação de riscos e submissão da declaração de devida diligência através de um sistema de informação, no momento do ingresso do produto na União Europeia.

A conformidade com a legislação aplicável no país é uma das premissas do processo de devida diligência. Na cadeia do café brasileiro, uma das violações mais evidentes é o trabalho informal. Enquanto 40% da população ocupada no Brasil atua na informalidade, no caso do café, no estado de Minas Gerais, essa taxa chega a 58,2%. Além disso, fazendas e cooperativas de café têm sido multadas nos últimos anos por manter trabalhadores migrantes em condições análogas à escravidão.

Mais de metade dos casos de trabalho escravo flagrado no Brasil aconteceu no setor da pecuária, Entre 1995 e 2020. A pecuária também concentra o maior número de trabalhadores resgatados. É o que evidencia a Repórter Brasil na oitava edição do Monitor, que aborda a relação entre a cadeia da carne e trabalho escravo contemporâneo. Apesar de grandes empresas do setor serem signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e bloquearem fornecedores presentes na “lista suja”, muitas infrações ocorrem nos fornecedores indiretos, cujos animais não são vendidos diretamente ao abate.

O conflito fundiário com comunidades tradicionais causado pela expansão da fronteira agrícola é outro aspecto que demanda atenção por parte das cadeias brasileiras priorizadas pelo EUDR. Informações da Repórter Brasil e do estudo “NA FRONTEIRA DA (I)LEGALIDADE: desmatamento e grilagem no Matopiba” registram mais de 80 etnias indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e integrantes de comunidades tradicionais impactados por invasões, fraude e novas formas de grilagem para expansão da soja no Maranhã, Piauí, Tocantins e Bahia.

Muitas incertezas pairam sobre a aplicação do EUDR, tais como a classificação que será atribuída ao Brasil em relação ao risco, e se essa classificação será regionalizada ou diferenciada por bioma (países classificados maior risco, a devida diligência será completa). Ou, ainda, sobre as formas de operacionalização do regulamento, uma vez que ele não especifica os instrumentos que serão utilizados para obtenção das informações solicitadas.

Somadas às indefinições, o EUDR reúne críticas sobre a falta de diálogo multilateral para elaboração da norma junto aos países produtores de commodities. Teme-se, ainda, a possibilidade de que os custos de devida diligência afetem de forma desigual os pequenos produtores em relação aos grandes.

Tais lacunas, no entanto, abrem espaços de cooperação e articulação entre atores dessas cadeias produtivas. É nesse contexto que se insere o ARABICA, projeto liderado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), em parceria com o Collaborating Centre on Sustainable Consumption and Production (CSCP) e a International Women’s Coffee Alliance (IWCA Brasil) e financiado pelo Programa AL-INVEST Verde. A recém lançada iniciativa busca incentivar a adoção de melhores práticas entre pequenas produtoras e PMEs lideradas por mulheres na cadeia de suprimentos de café, integrando ferramentas digitais de rastreabilidade, e envolvendo todos os elos da cadeia para cumprir com o EUDR.

A demanda por informação, rastreabilidade e transparência dos produtos não apenas ao que tange normas fundiárias e ambientais, mas também sobre aspectos laborais e de violação de direitos, faz do EUDR um importante instrumento para fortalecer a agenda de proteção de direitos humanos nessas cadeias prioritárias. Assim como políticas ambientais brasileiras e pactos setoriais (como o Cadastro Ambiental Rural, o TAC da carne, a Moratória da Soja, dentre outros) também têm o potencial de serem fortalecidos para atestar conformidade ambiental no processo de devida diligência da nova norma europeia. (Ana Moraes Coelho/Valor Econômico)

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de em foco

Suprema Corte dos Estados Unidos analisa de Donald Trump possui imunidade penal como ex-presidente
“Cansado, daqui a pouco a maca vem buscar”, diz Romário após primeiro treino com time do America
Pode te interessar
Baixe o app da TV Pampa App Store Google Play