Sábado, 25 de janeiro de 2025

Supremo e maconha: é possível distinguir usuário de traficante?

O julgamento sobre descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não tem decisão final.

O placar no momento está 5 a 3 a favor da descriminalização. O ministro Dias Toffoli pediu vistas (mais tempo para analisar a matéria). Até esta quarta-feira (6), o colegiado formou maioria para fixar uma quantidade da droga que diferencie consumo pessoal do tráfico. Entretanto, não há consenso, sobre o número de gramas. Em reação, o Congresso pretende votar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna crime o porte e a posse, independentemente do volume.

A legislação atual sobre o tema é de 2006. Ela possui artigos distintos para usuários e traficantes, mas não oferece um parâmetro objetivo para que essa diferença seja estabelecida pela Justiça. A partir da implementação da legislação, a população carcerária brasileira sofreu uma elevação substancial e progressiva.

No Supremo, os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes citam em seus votos que a quantidade limite para diferenciar consumo próprio e tráfico deve ser de 60 gramas ou a posse de seis plantas fêmeas.

Já os ministros Kassio Nunes Marques e Cristiano Zanin, que votaram contra a descriminalização, estipulam uma porção de 25 gramas ou seis plantas fêmeas como limiar para distinguir os dois tipos de situação.

Outro integrante da Corte, André Mendonça defende quantidade ainda menor para a diferenciação: 10 gramas. O ministro Edson Fachin, por sua vez, entende que essa decisão não deve ser tomada pelo Judiciário, mas sim pelo Legislativo.

“Temos já uma maioria de votos pela fixação de uma quantidade diferenciadora, apenas com alguma divergência de qual será a quantidade”, disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, nessa quarta.

“Considero que esse é o aspecto mais importante do nosso julgamento, fixar uma quantidade que valha indistintamente para pobres e ricos relativamente a ser ou não traficante”, completou o ministro. Como o julgamento não terminou, porém, os ministros ainda podem mudar o voto.

Conforme Maurício Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da USP, o marco objetivo deve ser considerado avanço.

“Assim como a idade (18 anos) é uma regra objetiva que cria segurança jurídica nessa passagem, a adoção de critérios objetivos para drogas também é importante”, afirma.

“Se não tiver um critério objetivo, permite enorme discricionariedade, tanto do ponto de vista da ação policial, quanto da interpretação do Ministério Público, como da decisão judicial”, afirma. “E essa discricionariedade, por falta de elementos objetivos, vai ser transformar em arbitrariedade.”

Para Rafael Paiva, especialista em Direito e Processo Penal, a falta de critérios objetivos leva juízes a decidirem as penas com base só nas circunstâncias. “É analisado o modo de acondicionamento da droga; onde foi apreendida e se havia dinheiro com a droga”, cita. “Quanto mais circunstâncias, mais característico de tráfico.”

Paiva cita que, embora definir a quantidade ajude a dar mais objetividade, o critério nem sempre traduz a situação de porte de modo fidedigno. “Posso encontrar 10 quilos de maconha na casa de praia de alguém, que é usuário, mas não vende, não distribui. Por outro lado, ter traficantes que vendem pequenas porções de drogas durante todo o dia”, diz. “Pode ser interessante na medida em que traz objetividade, mas complicado ser só isso. Tem de vir acompanhado de outras interpretações.”

O delegado Dario Elias Nassif, diretor da Confederação Nacional de Carreiras e Atividades Típicas de Estado, também acredita que fixar a quantidade é positivo, mas entende que o critério pode limitar as decisões “em solo policial, pois não abrangeria outros aspectos hoje analisados pela Polícia Judiciária”.

“Por exemplo, se a pessoa portar pouca quantidade de maconha, mas tiver, em tese, uma lista de entrega, um delivery de drogas, a autoridade policial ficará circunscrita ao limite com a fixação da quantidade”, diz. “Se fixada em 10 gramas a quantidade e a pessoa fizer diversas viagens para entrega, estará traficando, mas a defesa alegará que o limite impede de ser preso”, completa.

Conforme o estudo do Ipea divulgado em junho do ano passado, a mediana da quantidade de maconha apreendida com cada processado por traficar cannabis no País é de 85 gramas. Isso significa que, em ao menos metade dos casos, o carregamento encontrado com o réu foi menor ou igual a essa marca. “Há predominância de pequenas quantidades”, disse na oportunidade a pesquisadora do Ipea Milena Soares, uma das coordenadoras da pesquisa.

Em 58,7% dos processos envolvendo maconha, a quantidade apreendida é menor que 150 gramas, conforme a pesquisa. Os Estados com as menores medianas são Amazonas (20 g), Roraima (23 g), Espírito Santo (23 g) e Piauí (26 g). Em São Paulo, foi de 54 g, também abaixo da média nacional.

 

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