Quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Supremo precisa definir a quantidade de droga que torna alguém usuário ou traficante

Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de uma ação que questiona a constitucionalidade do artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte para consumo pessoal. A questão é relevante é tem se arrastado há oito anos. Desta vez, espera-se que os ministros concluam a votação e determinando que a posse de pequena quantidade de entorpecente não é crime.

O caso analisado envolve um detento condenado por ter sido flagrado com apenas 3 gramas de maconha na prisão. A ação foi movida pela Defensoria Pública de São Paulo, para quem o artigo viola os princípios constitucionais de intimidade, vida privada, honra e autodeterminação.

Pela legislação em vigor, é crime “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”, não importando a quantidade. É uma formulação absurda, já que mesmo quem usa maconha com fins medicinais viola essa lei.

“Não adianta só o STF descriminalizar o uso de drogas, é preciso fixar uma quantidade objetiva que diferencie o usuário do traficante”, avalia o advogado Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal na Universidade de São Paulo (USP).

A falta de parâmetro para diferenciar o usuário do traficante é o maior problema da Lei Antidrogas. Na prática, qualquer cidadão flagrado com pequena quantidade para uso pessoal está sujeito a ser preso, tanto quanto o bandido que vive do tráfico.

E a aplicação da lei depende de critérios subjetivos e dos humores do policial de plantão ou do juiz. A consequência mais desastrosa é a explosão da população carcerária, inflada pela prisão de usuários de drogas que, por falhas da lei, são tratados como traficantes e lançados em presídios superlotados, onde dividem celas com homicidas, estupradores ou pedófilos.

Com o objetivo de reduzir o encarceramento, a Lei Antidrogas teve efeito contrário. Em 2005, antes que entrasse em vigor, havia 300 mil detentos. Hoje, há cerca de 800 mil — dez vezes o crescimento populacional no período.

A legislação não é a única responsável pelo problema, mas durante sua vigência dobrou o percentual de presos por crimes relacionados a entorpecentes (de 14% para 28% do total). O fato é que a chamada “guerra às drogas” não deu certo e o tráfico continua a cometer crimes, inclusive dentro dos próprios presídios.

A rigor, caberia ao Congresso corrigir distorções na lei. Mas o Parlamento tem sido omisso, enquanto a superpopulação carcerária se apresenta como um problema cada vez mais urgente. Por isso a Corte Máxima deve arbitrar a questão.

Há, inclusive, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, vinculado ao Ministério do Planajamento) projetando que um limite de 25 gramas para maconha e de 10 gramas para cocaína levariam à revisão de quase 30% das sentenças.

Há oito anos essa discussão se arrasta, e os presídios ficam mais e mais abarrotados. Dominados por facções criminosas, viraram problema de segurança pública, quando deveriam ser uma solução. O uso de drogas deve ser tratado como questão de saúde pública, não de polícia. Esta deve ocupar-se apenas de quem tira proveito dele: os traficantes.

Pauta novamente paralisada

Na quarta-feira passada (24), o a Corte adiou mais uma vez o julgamento do recurso sobre o tema, retirando-o da pauta – os ministros utilizaram toda a sessão para analisar uma ação penal contra o ex-presidente Fernando Collor.  A presidente da Corte, ministra Rosa Weber (a quem cabe definir a agenda), analisa nova data para o caso.

Até o processo ser retomado, apenas três ministros haviam votado. O relator, Gilmar Mendes, defendeu a inconstitucionalidade do artigo e disse que a tese vale não apenas para a maconha, mas para qualquer entorpecente. Luís Roberto Barroso e Edson Fachin concordaram quanto à inconstitucionalidade, restrita à maconha.

Inspirado em Portugal, Barroso propôs o limite de 25 gramas para distinguir uso pessoal de tráfico. Fachin entendeu que a regra deve ser fixada pelo Congresso Nacional.

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