Sábado, 25 de janeiro de 2025

Aborto legal: Conselho Federal de Medicina proíbe procedimento para interromper a gravidez após 22 semanas

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou no Diário Oficial da União uma nova resolução em que proíbe os médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal, utilizado para a interrupção da gravidez em fase avançada, após 22 semanas nos casos de aborto legal decorrentes de estupro.

Na prática, a norma passa a impedir que a gestação seja interrompida nesse período, o que contraria a Lei brasileira, que não estabelece limite máximo para o procedimento, afirmam especialistas. Por isso, defendem ainda que a medida pode ser considerada inconstitucional.

A assistolia fetal é um método recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para os casos de aborto legal acima de 20 semanas, segundo as últimas diretrizes divulgadas em junho de 2023.

Ele consiste na injeção de determinados agentes farmacológicos, geralmente o cloreto de potássio, para interromper os batimentos cardíacos do feto, que depois é retirado da barriga da mulher para completar o procedimento do aborto.

Hoje, no Brasil, a interrupção da gravidez é permitida quando há risco de vida para a mulher e quando a gestação resulta de um estupro, de acordo com o Código Penal, além dos casos em que há anencefalia do feto, por entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em coletiva de imprensa realizada nessa quinta-feira (4), o relator do texto e conselheiro federal do CFM, Raphael Câmara, defendeu que a norma é “um ato civilizatório de se impedir de matar um bebê de oito, nove meses”.

“A única coisa que estamos pedindo é impedir de matar um bebê viável. Não estamos tirando o direito (de acessar o aborto legal)”, disse o médico, ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro.

No entanto, a alternativa é a indução do parto sem o processo prévio da assistolia, o que não garante que o bebê vá nascer sem vida. É o que explica Rosires Pereira, presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo):

“Sem a conduta da assistolia fetal, a interrupção da gravidez tardiamente não pode ser realizada. Porque o direito na Lei é para um aborto que tire a vida do feto. Mas a indução do parto nessa fase gestacional pode levar ao nascimento de bebês com vida e com risco de diversos problemas de saúde, como questões neurológicas. E a Lei não define limite de idade, então é um absurdo a norma do CFM”, diz.

A ginecologista e obstetra Marianne Pinotti, doutora em Obstetrícia e Ginecologia pela Universidade de São Paulo (USP) e cirurgiã do Grupo de Oncologia mamária e pélvica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, também destaca a morosidade do processo para acessar o aborto legal ao criticar a resolução:

“Eu vejo essa norma de forma muito ruim, é uma interferência do CFM na Lei. A Lei brasileira é morosa, as mulheres demoram para conseguir acessar o direito ao aborto e muitas vítimas chegam a 22, 23, 24 semanas grávidas por causa disso, sem outra forma para interromper a gestação. É uma caminhada cruel, nenhuma mulher quer passar por isso. Precisamos facilitar que as mulheres nos casos previstos pela Lei consigam acessar esse serviço.”

Quem também diz ter recebido com espanto o anúncio do CFM é o ginecologista e obstetra Cristião Rosas, coordenador no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir (Global Doctors For Choice – GDC):

“Na minha avaliação, é uma resolução que impede a atuação profissional num procedimento que cientificamente já é incorporado à prática médica do mundo inteiro, então vai na contramão da ciência. E atenta contra os direitos reprodutivos de meninas e mulheres, que vítimas de um estupro serão forçadas a continuar uma gravidez. Do ponto de vista jurídico, aborto já parte do conceito de interromper uma gestação com morte fetal. Não de um nascimento prematuro.”

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