Quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 5 de abril de 2024
Os primeiros cem dias de Javier Milei como presidente da Argentina foram insuficientes para estabelecer uma aproximação e deslanchar o relacionamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A relação entre os líderes vizinhos e rivais políticos, deteriorada por agressões e ofensas no ano passado, segue “congelada”, cercada de desconfiança.
Na gangorra entre os dois, os embates e provocações arrefeceram, mas ao menos no governo brasileiro a aparente trégua não desfez interrogações a respeito do libertário, um dos ícones da direita no continente.
A expansão desse movimento e sua expressão mais radical preocupa Lula, que chegou a pedir auxílio a peronistas para estudar o fenômeno na Argentina.
Diplomatas e analistas políticos observam que Milei, às voltas com problemas domésticos, mudou o comportamento nos últimos tempos, desde que assumiu o cargo. Ele deixou de lado a retórica da “casta vermelha” contra Lula e o Brasil, calibrada para inflamar apoiadores durante sua campanha para a Casa Rosada. O argentino parou de citar o petista como contraponto a seu ideário.
Em campanha, Milei disse que Lula chegou a ficar preso porque era corrupto, acusou o petista de ser “comunista” e “totalitário” e de interferir na disputa eleitoral de 2023 para beneficiar os peronistas destronados após o fim do governo Alberto Fernández e a derrota do ex-ministro da Economia Sergio Massa.
Lula de fato apoiava Massa como podia, procurou facilitar empréstimos internacionais, recebeu visitas em série do ex-presidente argentino Alberto Fernández e enviou a Buenos Aires três marqueteiros e estrategistas de confiança do PT. Ele chegou a se referir a Milei em privado como “louco”.
Ficaram no ar pedidos de desculpas cobrados por ministros de Lula, mas ainda assim vistos como necessários para uma aproximação por assessores e conselheiros do Palácio do Planalto. Eles dizem que Milei “agrediu primeiro” e em público, por isso caberia a ele dar um passo para fazes as pazes. Mas reconhecem que o petista também devolveu as agressões.
Um auxiliar de Lula, que despacha no Planalto, resume o status do relacionamento presidencial como “congelado” – não se agravou, mas também não evolui para quebrar o distanciamento. O palácio afirma que as provocações, contudo, não interessam a nenhum dos dois no momento.
Ninguém no governo brasileiro aposta em uma mudança de cenário sem um gesto público de Milei. O argentino chegou a enviar uma carta a Lula como convite para sua posse, em dezembro passado, mas o petista não compareceu. Lula enviou o chanceler Mauro Vieira como seu representante. Na ocasião, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi tratado como convidado especial da cerimônia.
Os relatos de ambos os lados indicam que trabalhos de nível técnico, entre as burocracias dos dois países, vão bem, e que existe engajamento direto entre o ministro Mauro Vieira e a chanceler argentina Diana Mondino. Ela já veio ao Brasil duas vezes.
Os dois ministros das Relações Exteriores fazem um papel de “zona de amortecimento” entre os presidentes e procuram manter canais de diálogo institucional constante.
A “moderação” de Milei desperta cuidados por parte de Brasília. Os primeiros 100 dias de governo são considerados por embaixadores um período curto para fazer uma análise mais profunda. A interpretação de embaixadores é que o argentino está muito ocupado com revéses na agenda interna do país.
Em março, ao falar sobre o discurso do ódio na política e riscos à democracia, Lula referiu-se a Milei como um representante do grupo “anti-sistema” e que “critica tudo”, durante um discurso em Porto Alegre (RS). Ele comparou o argentino a Bolsonaro.
Um integrante da Secretaria de Estado afirma que Milei claramente “curte o outro lado”, inclusive na política interna brasileira, e vem sendo usado como bandeira pelo bolsonarismo. Um conselheiro histórico de Lula afirma que a “amizade e relação pessoal ajudam muito” no entrosamento entre chefes de Estado, mas que não sabe como será ainda Lula-Milei.
Lula, por sua vez, costuma dizer que não exerce o cargo para ser “amigo” de nenhum outro chefe de Estado ou de governo, e se diz, em tese, disposto a dialogar com todos – tenha afinidade ideológica com seu homólogo ou não.
O Brasil é o primeiro parceiro comercial da Argentina, seguido pela China – outra nação que Milei atacou na campanha. Já para o Brasil, a Argentina aparece em terceiro nos fluxos comerciais, atrás de China e EUA. Em 2023, a exportações para a Argentina passaram de R$ 80 bilhões, contra mais de R$ 50 bilhões em importações, uma balança comercial muito pautada pela indústria automotiva.