Terça-feira, 01 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 17 de fevereiro de 2023
Economistas têm demonstrado preocupação com os riscos de uma contração mais aguda do crédito e que seus reflexos sobre a atividade sejam maiores do que o antecipado, principalmente por causa de um eventual “efeito dominó” do caso Americanas. O tema foi abordado em reuniões de economistas com o Banco Central (BC) nesta semana.
Antes mesmo da crise na varejista, a expectativa já era de enfraquecimento do
crédito neste ano. Depois de um avanço de 17% no saldo da modalidade livre para pessoa física em 2022, ante 2021, e de 10% para pessoa jurídica, a LCA Consultores, por exemplo, espera para 2023 altas em torno de 4% e 7%, pela ordem, ainda sem considerar impactos da Americanas. A varejista, que não vinha contabilizando corretamente o financiamento de certas compras, divulgou no início do ano “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões e acumula dívida total de mais de R$ 40 bilhões.
Se, por um lado, a desaceleração da demanda por crédito era exatamente o efeito esperado de uma política monetária contracionista e que busca desinflacionar a economia, por outro uma contaminação do caso Americanas poderia deteriorar o crédito à pessoa jurídica também pelo lado da oferta, o que não estava no radar.
O risco de um aumento de casos de inadimplência – que já está elevada entre
pessoas físicas – e de recuperações judiciais tenderia a tornar as instituições
financeiras mais cautelosas e seletivas na concessão de crédito à pessoa jurídica, ampliando o já elevado spread bancário (diferença entre as taxas cobradas nos empréstimos e as taxas que as instituições financeiras pagam na captação de recursos).
“Do lado do mercado de capitais, uma luz amarela foi acesa. A história da
Americanas começou como algo pontual de governança, mas, depois, vimos alguns eventos adicionais. Os spreads de crédito estão subindo rápido, temos visto saída de fundos de crédito e o dinamismo do mercado está caindo”, diz o economista-chefe de uma grande gestora que pediu para não ser identificado.
“Se entrarmos em uma dinâmica em que o ‘funding’ [financiamento] vai secando, os spreads vão abrindo e os setores mais complicados vão ser os primeiros a pedir água. Precisamos ver quanto tempo isso dura, porque pode ser um movimento em cascata que leva a ter próximos trimestres bem complicados. Isso não estava no radar e, no momento, é a nossa maior preocupação, exceto as decisões vindas de Brasília”, acrescenta.
Alguns efeitos observados no mercado de crédito estão dentro do esperado para um ciclo de aperto monetário que geraria desaceleração da economia neste ano, diz Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset no Brasil. “O aperto dos juros está chegando ao canal de crédito; o custo do crédito está aumentando; as famílias estão reduzindo seu consumo. Era mais ou menos o script que nós esperávamos e que geraria uma desaceleração da inflação”, afirma.
Outros efeitos no crédito, porém, precisam ser monitorados “com atenção”, aponta Lima. “Tivemos o efeito Americanas, que é uma reestruturação grande e que bateu no balanço dos bancos, mas também nos fundos de crédito. Isso faz o investidor ser mais cauteloso e a captação no mercado de capitais também já está sendo afetada.
É um novo choque que pode fazer a economia desacelerar um pouco mais do que se imaginava anteriormente e levar o hiato do produto [medida para a ociosidade da economia] a ficar mais negativo.”
Além da fraude corporativa envolvendo a Americanas, a Vista Capital destaca uma série de eventos potenciais de crédito em companhias importantes. “Juntando todas as peças desse dominó, o resultado é um inevitável e importante aperto nos ‘lending standards’ [padrões de concessão] dos bancos, o que pode potencializar e acelerar um ciclo de crédito que já parecia desfavorável para a atividade econômica, gerando problemas não apenas para empresas insolventes, mas possivelmente também para empresas com problemas de liquidez”, alertam analistas da gestora.
Com uma nova visão para a trajetória da Selic (taxa básica de juros) e incertezas no debate político, a Tendências Consultoria revisou recentemente suas projeções para o cenário de crédito em 2023 e agora prevê uma queda, em termos reais, de 2,8% nas concessões totais: -0,3% para pessoa física, que ainda é sustentada por cartão de crédito e crédito consignado, e -5,8% para jurídica.
“As concessões mostram desaceleração disseminada desde o fim do ano passado. Esperamos que os juros voltem a mostrar elevação, na margem, nos primeiros meses de 2023 e, no decorrer do ano, permaneçam mais estáveis, mas em um patamar elevado. São níveis menos atrativos para a demanda”, diz a economista Isabela Tavares.
De acordo com a Pesquisa Especial de Crédito da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a carteira de crédito deverá recuar 0,8% em janeiro, ante dezembro de 2022, após 11 meses de expansão. O resultado reflete a retração na busca de recursos pelas empresas. A Febraban lembra, no entanto, que é um movimento típico para o período do ano e que, apesar do resultado, o ritmo de expansão anual da carteira continua acima de dois dígitos.