Terça-feira, 30 de abril de 2024

Michael Douglas entre Benjamin Franklin, o ócio e a descoberta do estoicismo

Em uma tarde fresca de sábado, o burburinho no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel está contido. Na época de Kirk Douglas, o restaurante era uma metonímia para o auge da exclusividade e da sofisticação do showbiz. Agora é um destino para turistas que tiram selfies e moradores locais que se divertem em almoços barulhentos e embriagados.

Mas quando Michael Douglas atravessa o salão, o antigo glamour retorna por um instante. Os rostos se abrem em sorrisos largos e acolhedores – e não apenas porque, como filho de Kirk, Douglas se conecta ao passado mais célebre do Lounge, nem porque é uma verdadeira celebridade por si só. É porque, como versão quintessencial de uma certa marca da masculinidade branca do final do século 20, Michael Douglas vem sendo “o cara” há muitos anos.

No auge da fama, Douglas foi o avatar das ansiedades mais profundas, dos desejos mais transgressores, das aspirações mais românticas e das ambições mais vorazes de sua geração, encarnando e refletindo as forças fundamentais que moldam a sociedade americana – como o medo do colapso nuclear, a ganância dos anos 1980 e a masculinidade pós-feminismo.

Mesmo quando ele minimizou seu lendário sex appeal para retratar um professor universitário que fazia pouco mais que fumar maconha vestido de roupão de banho no filme Garotos Incríveis (2000), parecia que Douglas ainda estava numa sintonia sobrenatural, desta vez com o pânico de milhões de baby boomers percebendo que não apenas tinham entrado na meia-idade, mas que já estavam saindo dela.

Em forma e relaxado aos 79 anos, Michael Douglas não parece um símbolo cultural quando se instala à mesa e pede uma xícara de chá de hortelã. Com os cabelos agora brancos tão impecáveis quanto o blazer azul, Douglas mais parece a realeza de Hollywood – uma ideia que sempre o fez rir. Ele cresceu em Nova York e Connecticut, fez faculdade em Santa Barbara e só morou em Los Angeles por um tempo. Ele e sua esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones, agora moram no condado de Westchester, em Nova York. “É difícil fugir quando você está aqui”, diz Douglas, referindo-se ao agito da cidade. “É café da manhã, almoço e jantar. E gosto de ter amigos de áreas diferentes, não só do show business.”

Mesmo que Los Angeles não seja literalmente o lar de Douglas, ainda é um lugar onde ele se sente muito em casa. Algumas horas antes, ele estava conversando amigavelmente com membros da Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas, eleitores do Emmy que tinham assistido à exibição do episódio 1 de Franklin, no qual Douglas interpreta o pai fundador Benjamin Franklin. (A Apple TV Plus lançou a série de oito horas em 12 de abril). O episódio – em que Franklin chega à França em 1776 para convencer o rei Luís XVI a apoiar a Revolução Americana com dinheiro e armas – foi recebido com aplausos de pé, para o alívio do ator.

“Enfrentei dúvidas na maior parte da produção”, admite Douglas, que interpreta Franklin ao longo de sua estada de nove anos na França, durante a qual ele inventou seu próprio tipo de diplomacia astuta e bajulatória. Embora Douglas e o diretor da série, Tim Van Patten, tenham pensado em usar maquiagem e próteses pesadas para criar os traços peculiares de Franklin, como aquela famosa testa alta, eles decidiram seguir um caminho mais naturalista. Douglas usa apliques grisalhos e ondulados em Franklin, mas seu personagem evita as perucas formais e a maquiagem empoada da corte francesa. Ele se parece mais com Michael Douglas do que com alguém tentando imitar Benjamin Franklin.

Em vez de vivenciar “oito horas de Ben Franklin encobrindo Michael”, diz Douglas, “achei que as pessoas ficariam mais confortáveis se conhecessem o cara. E isso simplesmente me deu muito mais liberdade”. Ainda assim, ele observa, isso implicava uma aposta: “Será que consigo interpretar a personalidade de Franklin?”

Essas preocupações parecem estar evaporando à medida que o público vê Franklin e aceita a inefável fusão de ator, personagem e figura histórica. Douglas “incorpora o espírito de Franklin de muitas maneiras”, disse Van Patten durante uma sessão de perguntas e respostas depois da exibição na academia de televisão. Franklin é “incrivelmente inteligente, charmoso e curioso, cheio de sabedoria e perspicácia. E Michael é tudo isso também”.

Com certeza aí em algum lugar tem uma piada sobre um ator famoso que acaba fazendo o papel de Benjamin Franklin numa série. Franklin vira essa piada de cabeça para baixo, com o personagem-título emergindo como mais um dos muitos homens de ação sedutores e atraentes que Douglas interpretou ao longo da carreira (desta vez, reconhecidamente, com um toque de gota).

Na série, o ator retrata Franklin menos como o aforista corpulento e mais como uma estrela do século 18 – o americano mais famoso do mundo, uma figura extremamente popular na França, um namorador inveterado que seduziu estadistas com a mesma habilidade com que seduzia as mulheres que se apaixonavam por ele. (Ludivine Sagnier e Jeanne Balibar interpretam os interesses amorosos da vida real de Franklin, Anne Louise Brillon e Anne-Catherine de Ligniville, a Madame Helvétius).

“Em cinco anos de ‘convivência’ com Ben Franklin, nunca me ocorreu confundi-lo com Michael Douglas”, diz Stacy Schiff, que escreveu A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America [algo como Um Grande Improviso: Franklin, a França, e o Nascimento dos Estados Unidos, em tradução livre], livro no qual se baseia Franklin. “Dito isso, assim que surgiu o nome de Michael, ele pareceu incrivelmente certo.”

Se a pergunta “será que eles vão gostar?” foi a que mais preocupou Douglas durante os sete meses de produção de Franklin na França, “será que vou sobreviver?” veio em segundo lugar: em 2022, depois de apenas três semanas de filmagem, Douglas foi levado às pressas para uma cirurgia de emergência para remover a vesícula biliar. Ele foi operado numa sexta-feira, se recuperou no fim de semana, tirou mais dois dias de folga e voltou ao set.

“Mas não estava me sentindo bem”, lembra ele, repetindo e diminuindo a velocidade para aumentar a ênfase: “Não estava me sentindo bem”. Com mais seis meses de filmagem, conta, ele perseverou e aos poucos foi se sentindo melhor. “Mas houve um momento em que pensei: ‘Não sei se vou conseguir’. E então comecei a pensar em seguros e em ter que refilmar”.

Não é incomum que Douglas pense em coisas como seguros e refilmagens: está sempre pensando no quadro geral. Um dos motivos pelos quais ele decidiu abrir mão da maquiagem elaborada em Franklin foi porque sabia que, combinado com um trajeto de 45 minutos até o set todos os dias, ficar sentado por duas horas e meia numa cadeira de maquiagem provavelmente criaria atrasos para todo mundo.

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