Quinta-feira, 25 de abril de 2024

O ginete e o elefante

Parece haver um descolamento dos avanços científicos em curso em relação à lenta marcha civilizacional, particularmente quanto ao comportamento das pessoas. Enquanto o conhecimento total produzido pelo homem dobra a cada ano, ainda patinamos em questões que remontam a estágios primitivos de evolução. A invasão da Ucrânia pela Rússia não deixa de ser um daqueles eventos que frustram a expectativa de que nações civilizadas, e cientificamente avançadas, não mais se confrontariam, pelo menos não no campo de batalha, com todos os horrores típicos de uma guerra convencional. A esperança de um mundo em paz, atrelada a um estoque maior de conhecimento não vem cumprindo seu papel. Feito um elefante domado por um ginete, o cérebro reptiliano segue levando a reboque a razão, e arrasta o homem para condutas que destoam dos engenhos inovativos que esse produz em escala cada vez maior. Nessa arena conflituosa, a ciência, enquanto elemento impulsionador dos avanços tecnológicos e criadora de novos quadros de referência, se debate entre a neutralidade e a existência de imperativos morais que reclamam por atenção. Projetos ditatoriais, em contraste às luzes da modernidade, continuam a afrontar o conceito ainda distante de uma paz duradoura. A despeito dessa desilusão, contudo, devemos enfrentar o desafio de ir além de sermos meros expectadores. Mas como isso seria possível se a precariedade de nossas certezas, inevitavelmente será tão frágil quanto efêmera é nossa condição? Se o homem é capaz de orbitar a terra, mas incapaz de dialogar e colocar a razão acima das paixões, estaríamos condenados a sempre repetir os mesmos erros?

O Pós-Modernismo, antes de criar referenciais que pudessem frear o ímpeto belicista dos homens, rejeita parâmetros universais sem oferecer, em contrapartida, novas alternativas. Em nome da diversidade, complexidade e multiculturalidade, os pós-modernistas caíram num relativismo paralisante, que não deixaria de ser uma outra forma de absolutismo. As possibilidades emanadas desses chamados “novos ventos” pós-modernos trazem o conhecimento científico e seus métodos de legitimação para uma zona do questionamento persistente. Mas o papel do conhecimento científico não deveria se converter em elemento de dominação ou perpetuação ideológica, e sim numa força capaz de catalisar e conectar as ambições mais nobres ao homem, e que sejam suficientes para edificar uma sociedade melhor e mais justa. O acúmulo de avanços científicos, contudo, não tem sido capaz de projetar e concretizar um arcabouço político e social que alinhe, em dimensão global, uma paz perene. O enfraquecimento das democracias mundo afora e a ascensão do autoritarismo confirmam essa incapacidade de maior interdependência entre o saber e o exercício do poder.

A ciência é também criticada por seu papel colonizador e, mais do que isso, por sua inaptidão em prover acesso democrático à produção de riqueza. o Pós-Modernismo, a pretexto de multiculturalidade, caiu numa fragmentação excessiva, respondendo às pretensões transcendentais modernistas com espectros relativistas. Na prática, o relativismo é inviável, lógica e socialmente. Afirmar que “tudo é relativo” esbarra na contradição de que essa própria afirmação seria relativa. Desse modo, se de um lado não é possível fragmentar tudo, de outro, existem problemas concretos que devem ser enfrentados.

Assim, na forma de instrumento de validação do conhecimento, a ciência é posta em xeque sempre que assume ares de autossuficiência e ameaça a supremacia do homem autônomo. Necessitamos uma reconexão entre a ciência e a moralidade do mundo, pois sua neutralidade pode encorajar tiranias. Precisamos também que haja um maior alinhamento entre o saber científico e os mecanismos de fortalecimento institucional. Acima de tudo, a ciência precisa estar conectada com a realidade de um mundo governado por seres humanos, cujo modelo social e político ainda encontra eco no paleolítico, e homens se digladiam feito animais em pleno século XXI.

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