Sábado, 27 de abril de 2024

O silêncio dos inconformados

A moderação está em baixa. Antes um sinônimo de contenção e sabedoria, na sociedade polarizada de hoje, quem busca a mediação e apelos ao bom senso sofre ataques à esquerda e à direita, logicamente das franjas mais extremadas e estridentes, que acabam por moldar a tônica das discussões, sejam elas públicas ou até mesmo na intimidade familiar. Ninguém está livre da força gravitacional do radicalismo e da intolerância. Feito um buraco negro, opiniões que buscam a prudência e o equilíbrio são sugadas para o terreno pantanoso do sectarismo. A intolerância vive o seu apogeu. A imposição desse contexto beligerante de antagonismo, dominado pelas paixões em desfavor da razão e do comedimento, porém, não é um destino em si, mas um fenômeno social e sociológico que possui raízes bem identificadas, e que experimenta transformações inéditas advindas de uma nova agenda, culturalmente multifacetada, demandando posturas nem sempre fáceis de assimilar.

A situação que vivemos no Brasil, contudo, não é algo isolado do que acontece no mundo atual. Um abrangente projeto de pesquisa sobre as “tribos esquecidas” denominado “Hidden Tribes”, mapeou os grupos esquecidos da sociedade americana e fornece aos brasileiros um farol importante para o mesmo tema, considerando algumas similaridades entre as duas sociedades. O estudo esquematizou sete grandes grupos na política americana e buscou compreender suas características mais marcantes. A conclusão mais importante foi descortinar uma realidade que pode ter muito a ver com aquilo que vivenciamos em nosso País. Há, segundo a pesquisa, uma maioria da população exausta, que não abraça nem o radicalismo da direita, tampouco da esquerda. São pessoas que compõem o amplo segmento daqueles sem engajamento político, uma maioria silenciosa que exprime as suas opiniões, mas foge do confronto das redes sociais e dos onipresentes grupos de WhatsApp. São cidadãos mais flexíveis ideologicamente, estando dispostos a ponderar e acreditar que a política, necessariamente, não precisa e nem deve ser uma guerra. Esse grupo majoritário, embora pouco ruidoso, defende que os extremos devem ceder, denotam cansaço com a atual polarização e se sentem pouco representados.

Entretanto, apesar de bem mais numerosos, os inconformados silenciosos acabam ofuscados pelo barulho da turma mais engajada e intolerante, e isso afeta o equilíbrio no necessário debate entre contrários. São os radicais estridentes que assumem as posições mais polêmicas e extremadas, inflamando as discussões nas redes sociais, fustigando os “inimigos políticos”, indo para a briga e chamando pejorativamente de “isentões” todos aqueles que não aderem aos seus pontos de vista e às suas causas, muitas delas inconsequentes. Mas existe uma boa notícia nisso tudo. Também de acordo com a pesquisa do “Hidden Tribes”, menos de 15% dos eleitores podem ser classificados como intransigentes e incendiários. Muito embora não seja prudente ignorar minorias raivosas, toda a algaravia das redes sociais não tem a representatividade proporcional à agitação que provocam, e devem ser naturalmente contidas pelo arcabouço jurídico/institucional vigente.

Isso lembra e nos remete a uma nova ética, cujos valores devem insistir, não obstante a existência de franjas intolerantes na sociedade, nos pilares do respeito mútuo, no pluralismo de ideias, em outras visões intelectuais, na liberdade de expressão e na valorização da diversidade. Esse conjunto de ideais a serem perseguidos confronta a velha ética que pressupunha concepções de autoridade encoberta de erros, totalitarismo e certezas subjetivas. Esses mesmos intolerantes de hoje, sob uma nova atmosfera de maior tolerância, quem sabe amanhã, coloquem suas certezas sob o escrutínio da falibilidade, do erro e do perdão. Sem isso, provavelmente continuarão à margem do curso da história, insultando, difamando e agredindo, enquanto a maioria da sociedade caminha no lento, difícil e inescapável caminho rumo ao futuro.

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