Domingo, 19 de maio de 2024

Presidente da Câmara cria “sala secreta” para liberar verbas do orçamento secreto às vésperas da restrição eleitoral

Em um corredor sem janelas de um prédio anexo da Câmara funciona o mais novo centro de peregrinações de deputados e assessores atraídos por verbas do orçamento secreto. O presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), abriu, no segundo pavimento, uma sala com equipe destinada a atender pedidos de emendas voltadas a redutos eleitorais dos parlamentares, especialmente da base aliada do Palácio do Planalto. O espaço é chefiado por uma assessora direta do político alagoano.

A “salinha do orçamento secreto” ocupa o número 135 da ala B do Anexo II, também conhecido como “Corredor das Comissões” entre parlamentares e assessores. É nesse prédio que funcionam colegiados como as comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Orçamento e Direitos Humanos, entre outras.

A rotina no novo espaço é agitada. Nas tardes de quarta (29) e quinta-feira (30), foram registradas filas de pessoas aguardando para ser atendidas. Na quinta, o alto movimento contrastava com um Congresso às moscas. Deputados e assessores corriam para liberar as verbas antes do prazo da Lei das Eleições, que determina que os empenhos (autorizações para os pagamentos das verbas) devem ser suspensos a partir deste sábado (2).

É consenso entre técnicos de órgãos de controle e especialistas em recursos públicos que o orçamento secreto, esquema revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, se constituiu numa modalidade de destinação de verbas sem critérios técnicos ou mesmo vínculos com políticas públicas. A liberação dos recursos não é igualitária entre parlamentares e prioriza apenas interesses eleitorais da base do governo. Sem transparência, o dinheiro escapa de fiscalizações.

Embora o orçamento secreto esteja normalizado no Congresso a ponto de ter uma sala própria, a existência deste tipo de emenda está longe de ser uma unanimidade: tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a de número 854, que questiona o dispositivo.

Poder

O espaço físico evidencia o poder de Arthur Lira sobre a liberação deste tipo de verba, que soma R$ 16,5 bilhões em 2022. Formalmente destinadas pelo relator do Orçamento, o deputado Hugo Legal (PSD-RJ), os recursos na verdade são alocados a partir de uma negociação entre Leal, Lira e os líderes partidários.

O guia de ramais da Câmara registra que há seis servidores da presidência da Casa despachando na “salinha do orçamento secreto”, descrita na publicação como “assessoria do presidente”. Uma delas é Mariângela Fialek, conhecida entre os deputados pelo apelido de Tuca e considerada uma espécie de “gerente” do orçamento secreto.

Servidora comissionada, Fialek já trabalhou com o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR). No governo do ex-presidente Michel Temer (2016-2018), atuou na Secretaria de Governo da Presidência da República.

Sob Jair Bolsonaro, Fialek trabalhou no Ministério do Desenvolvimento Regional, na gestão do ex-ministro Rogério Marinho, hoje pré-candidato ao Senado. Chegou à Câmara em março de 2021, e desde então é considerada a pessoa-chave para a gestão do orçamento secreto na Presidência da Casa. Vários dos ofícios de deputados e senadores mudando a destinação de verbas da rubrica são dirigidas a ela, e não ao relator-geral do Orçamento.

“Tem vinte pessoas na minha frente, inclusive oito deputados”, dizia ao telefone uma assessora parlamentar – o deputado para quem ela trabalhava precisou trocar o município beneficiado por uma parte de suas emendas.

Naquele momento, eram sete assessores na fila em frente à porta da sala, e mais cinco sentados nas cadeiras na “recepção” da sala. Alguns deputados também foram diretamente ao local – eles têm prioridade em relação aos assessores.

Estratégia

A “salinha” começou a funcionar por volta de abril deste ano, mas o movimento se intensificou nos últimos dias. Segundo o Estadão, a liberação de recursos do orçamento secreto foi acelerada após a operação da Polícia Federal que prendeu o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro. Ao longo do mês de junho, foram empenhados R$ 5,79 bilhões na rubrica, de acordo com os dados mais recentes disponíveis na plataforma Siga Brasil.

Só nos dias 23 e 24 de junho, que se seguiram à prisão do ex-ministro, foram empenhados R$ 3,2 bilhões das emendas de relator – mais que o total anterior deste ano (R$ 2,5 bilhões). Na terça (28), após reunir as assinaturas necessárias, a oposição protocolou o pedido de instalação da CPI do MEC no Senado.

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