Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Região da Itália que liderou protestos antivacina enfrenta surto de covid

Quando a Itália introduziu o passe de saúde mais rígido da Europa no mês passado, a cidade portuária de Trieste, no Nordeste, antes um centro marítimo cosmopolita do Império Austro-Húngaro, tornou-se o epicentro de protestos conduzidos pelos céticos da vacina, ao lado dos trabalhadores portuários, gritando que a medida infringia seu direito ao trabalho.

Agora, duas semanas depois, Trieste emergiu como um centro de um surto de covid ligado diretamente aos protestos que ameaçam lotar unidades de terapia intensiva, forçar novas restrições de distanciamento social e arruinar a reputação de uma cidade mais conhecida como uma fronteira cultural com grandes ambições para seu porto revitalizado.

“A situação em Trieste é particularmente preocupante”, disse o Fabio Barbone, epidemiologista que lidera o esforço contra a propagação da covid na região de Friuli-Venezia Giulia, de onde Trieste é a capital.

O presidente da região, Massimiliano Fedriga, foi mais direto, dizendo: “É o momento de dizer com clareza: chega de idiotice”.

Sob a liderança do primeiro-ministro Mario Draghi, a Itália conseguiu conter os casos da covid depois de ter sido devastada no início da pandemia, fato elogiado na cúpula do G20 que ele sediou no último fim de semana, em Roma.

Mas o surto de Trieste mostra como uma minoria não vacinada – seja motivada por preocupações sobre liberdade, direito ao trabalho ou teorias de conspiração infundadas – ainda pode ameaçar a saúde pública e como pode ser difícil fazer resistentes à vacina se vacinarem.

A Itália não está sozinha. Na Alemanha, um aumento nos casos e hospitalizações levou o ministro da saúde, Jens Spahn, a alertar para “uma pandemia principalmente entre os não vacinados, e em massa”.

Em uma manhã recente, a principal praça de Trieste virou um teatro de muitas de suas manifestações. Dario Giacomini, um líder dos protestos e radiologista que foi suspenso por seu hospital por se recusar a ser vacinado, sentou-se do lado de fora do Caffè degli Specchi. Sem um Passe Verde, como é conhecido o passaporte da vacina na Itália, ele não tinha permissão para ficar lá dentro.

Enquanto os manifestantes na praça faziam poses de ioga ou erguiam cartazes com os dizeres “Trieste liga, Itália atende”, ele reclamou que o passaporte da vacina afastou os não vacinados da força de trabalho do país e deixou os céticos da vacina “socialmente mortos”. O movimento anti-Passe Verde se espalharia por toda parte, insistiu Giacomini, mas “Trieste foi a centelha”.

No entanto, embora os protestos em outras partes da Itália tenham cessado com a aceitação do Passe Verde pelos italianos, em Trieste as autoridades, ansiosas para pôr fim à nova reputação da cidade como centro do ceticismo sobre as vacinas tiveram de proibir novos protestos na praça e ameaçar com punições contra aqueles que desobedecerem.

Alguns cidadãos estão fartos. Mitja Gialuz, professora universitária de Direito e figura destacada de Trieste, fez uma petição a todos os moradores para que declarassem acreditar na ciência e na vacina. Já tem quase 50 mil assinaturas.

“Chega agora”, disse Antonio Paoletti, presidente da associação empresarial de Trieste. “Não podemos permitir que uma minoria de uma minoria bloqueie as atividades, os negócios e o sustento das pessoas por semanas.”

Muitos italianos começaram a se perguntar o que diabos está acontecendo em Trieste, que muitas vezes parecia um lugar à parte.

Seguindo seu papel central no Império Austro-Húngaro, Trieste serviu como um ponto central entre impérios e uma encruzilhada da Itália, Europa Central e os Balcãs.

Na virada do século 20, foi um viveiro do movimento italiano para reclamar terras na península e através do Adriático. (“Viva l’Italia! Viva Trieste!” Guglielmo Oberdan gritou da forca depois de não conseguir assassinar o imperador austro-húngaro em 1882.)

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Reino Unido controlaram Trieste, relutando em deixá-la cair nas mãos da Iugoslávia comunista. Eles finalmente a entregaram à Itália em 1954. Uma enorme placa “Bem-vindo ao Território Livre de Trieste” no centro da cidade lembra que alguns aqui ainda acreditam que a cidade foi anexada ilegalmente pela Itália.

“Se você olhar Trieste, sempre foi um lugar particular”, disse Giacomini, que não é da região, em um esforço para explicar sua tendência independente contra os decretos de vacinação de um governo que ele comparou a uma ditadura. Os especialistas aqui chamam isso de absurdo.

O vice-presidente da região, Riccardo Riccardi, ao atribuir o maior surto aos protestos, concordou que o índice de infecção na região tem muito a ver com sua localização no coração da Europa Central.

“Vivemos numa zona onde nas nossas fronteiras existe uma circulação do vírus extremamente elevada”, disse.

No entanto, para as autoridades, o motivo do aumento foi claro. Valerio Valenti, principal autoridade policial de Trieste, disse a repórteres nesta semana que o surto atual estava “estritamente relacionado” aos protestos. Os médicos concordaram.

O número de novos casos em Trieste na semana passada dobrou em relação à semana anterior para mais de 800, e as autoridades estavam profundamente preocupadas com o crescimento “exponencial” de casos em Trieste.

 

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