Domingo, 19 de maio de 2024

WhatsApp: a difícil arte do diálogo

Você que está lendo este artigo muito provavelmente participa de algum dos onipresentes grupos de WhatsApp, ferramenta que revolucionou a comunicação entre bilhões de pessoas no mundo todo. Possivelmente também já sentiu dificuldade em interagir digitalmente quando os grupos são heterogêneos, com pessoas que não comungam das mesmas visões, dos mesmos modos e costumes, de uma identidade cultural semelhante ou de nível educacional similar ao seu. Esse, talvez, seja um dos motivos para a existência das conhecidas “bolhas na internet”, grupos com características comuns bem definidas e que ecoam suas próprias vozes, sem o risco do contraditório ou do dissabor de topar com alguém que questione ou ouse a pensar de modo diferente. Fenômeno relativamente novo, os grupos da internet vêm sendo estudados por sociólogos e pesquisadores de diversas áreas, já que seu potencial na difusão de informações, formação de consensos ou opiniões tem demonstrado reflexos importantes no cotidiano de todos nós. As interações via WhatsApp também se mostram relevantes dentro do espaço de discussão política, de forma especial impondo um novo olhar sobre temas como liberdade de expressão e seus limites frente a mecanismos de censura, ou “cancelamento”, para usar um jargão em voga no mundo da internet.

Uma das dificuldades enfrentadas por quem espera maior pluralidade efetiva nas relações pelo WhatsApp é a sua baixa institucionalidade, ou seja, a dificuldade dessa ferramenta, embora de larguíssima amplitude, robustecer seu valor com a incorporação de uma personalidade mais democrática, amparada em parâmetros de qualidade nas interações, regras e etiquetas não escritas, formas de conduta compartilhadas e maior senso de responsabilidade. Com um baixo custo de mudança, o abandono dos grupos tem sido a opção mais simples para aqueles que, por algum motivo, não enxergam mais sentido em investir tempo e energia em discussões que confrontam seus pressupostos, alguns deles muito caros para serem “banalizados”. Essa questão sobre a moldura em que operam parte importante dos diálogos na era da informação é crucial, não apenas por desvendar as limitações impostas pela estrutura dada por um dispositivo tecnológico, mas por destacar o perigo de atrofia do próprio pensamento a partir da inexistência do contraditório. Se, ao primeiro sinal de questionamento das “minhas verdades”, existe o atalho de um click para me livrar desse dissabor, há o silenciamento de uma discussão, o que seria, nas palavras de John Stuart Mill “uma presunção de infalibilidade”. Nessa perspectiva, prossegue o autor, como boa parte da argumentação em favor de uma opinião consiste em rebater os argumentos de opiniões contrárias, a única via para que se possa ter uma opinião racional é o conhecimento das opiniões alternativas: “aquele que conhece apenas o seu lado de uma questão, conhece pouco do seu próprio lado”.

Em paralelo às limitações estruturais existentes para um diálogo mais efetivo nas redes, existe a questão individual. Debater ou opinar sobre determinado assunto exige do participante, de sorte a não ser raso, para não dizer inconveniente, que não fique preso a um aprendizado atrofiado, uma subserviência ao argumento da autoridade ou a um dogma qualquer. É preciso humildade para investir no próprio repertório, talvez com horas de pesquisa na internet, leitura de artigos e livros, ou assistir a vídeos ou documentários que possam embasar a opinião ou contradizer algum pensamento exposto à crítica durante as interações. Há, ainda, a opção do silêncio. Aliás, é mais comum do que supomos a quantidade de pessoas que, diante do alarido agressivo de determinados grupos, prefiram calar a enfrentar a intolerância que tem caracterizado alguns temas, sendo a atual polarização política o mais incendiário deles. Aqui, cabe uma razão epistemológica de humildade e falibilidade humana, pois, sem isso, os grupos de WhatsApp somente amplificarão nossos próprios egos e o diálogo será apenas uma utopia.

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