Segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Dois anos do primeiro caso de Covid no Brasil: especialistas avaliam altos e baixos

O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi confirmado laboratorialmente há exatos dois anos. Naquela Quarta-feira de Cinzas, os exames comprovaram a infecção de um homem de 61 anos que havia sido atendido no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, com histórico de viagem para Itália, onde o número de casos explodia.

Ao longo desses dois anos, governantes, gestores, autoridades em saúde pública e a própria sociedade somaram erros e acertos no combate à pandemia, segundo especialistas.

“Nossos acertos foram sustentados em muito pela nossa história e esforço da construção do SUS. Diria que o maior deles foi a capilaridade, a capacidade instalada na nossa logística de fazer a vacina chegar a todos em uma velocidade que não compensou tempos perdidos, porque vidas foram perdidas. Mas certamente caminhamos em uma velocidade que ajudou em muito a evitar um cenário ainda pior”, resume a pesquisadora em saúde Chrystina Barros, membro do Comitê de Combate ao Coronavírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Estoque limitado de doses

Apesar da ampla estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), com cerca de 38 mil salas de vacinação distribuídas pelos estados e municípios, novos postos de imunização e sistemas de drive-thru, especialistas apontam que a expertise brasileira em vacinação em massa esbarrou no estoque limitado de doses.

Ainda em 2020, Fiocruz e o Instituto Butantan fecharam parceria para produzir vacinas da AstraZeneca e a Coronavac, respectivamente. De acordo com Fiocruz e Butantan, a manutenção e o avanço no ritmo de produção de doses estavam atrelados a fatores externos, como a dependência de importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), matéria-prima das vacinas, importado da China.

“O fato de nós termos um Programa Nacional de Imunizações com capilaridade e experiência para vacinação rápida e de um grande volume de pessoas por dia esbarrou na falta de vacinas”, afirma a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Flávia Bravo.

Outro desafio foi o trâmite da assinatura de contratos de compra de imunizantes das empresas produtoras de vacina pelo governo federal, via Ministério da Saúde.

Cinco meses após a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar pandemia do coronavírus, o Ministério da Saúde anunciou a assinatura de um protocolo de intenções para aquisição de 46 milhões de doses da vacina pelo Instituto Butantan em outubro de 2020. Porém, o acordo foi assinado no início de janeiro de 2021 pelo então ministro Eduardo Pazuello. Já o acordo para compra das vacinas da Pfizer e da Janssen só saiu em 19 de março.

“Vimos uma curva ascendente do aumento da vacinação que vinha devagar, primariamente com os grupos de risco. A partir de agosto, vimos uma extensão da vacinação e uma velocidade muito maior, confirmando o que dizíamos que ia acontecer”, comenta Flávia.

Consulta pública para imunização infantil

Com o avanço da vacinação e da aplicação de doses de reforço para a população adulta, aumentaram as expectativas para a imunização de crianças.

Nos Estados Unidos, a vacinação da população de 5 a 11 anos teve início no dia 3 de novembro. Em meados de dezembro, foi a vez dos países da Europa darem início à campanha. No Brasil, a vacinação começou em janeiro.

A Anvisa autorizou a vacinação de crianças de 5 a 11 anos com a versão pediátrica da Pfizer em 16 de dezembro. Porém, o início da imunização dependia do planejamento e ação do Ministério da Saúde, que optou por fazer uma consulta pública à população sobre o tema.

Pouco tempo depois, no dia 20 de janeiro, a Anvisa autorizou a ampliação do uso da Coronavac na população de 6 a 17 anos, exceto imunossuprimidos.

Leitos sobrecarregados

Apesar da capilaridade do SUS, a pesquisadora da UFRJ Chrystina Barros avalia que nenhum país do mundo estava preparado para o volume e demanda expressivos de atendimento pelos serviços de saúde, seja público ou privado.

“O mundo inteiro foi levado ao extremo de gerar condição de atendimento para um volume brutal. Ninguém estava preparado ou esperava este volume de atendimento e de demanda para a saúde. Nenhuma cadeia produtiva estava preparada — como a própria demanda, por exemplo, de máscaras e de respiradores, que foram disputados pelo mundo”, afirma a pesquisadora.

O médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o esgotamento de leitos de UTI já era um empecilho no Brasil antes da pandemia.

“Já havia um problema de dimensionamento de leitos de UTI no Brasil. A pandemia elevou o número de internações de forma rápida e significativa o que fez com que as decisões fossem tomadas de forma muito rápida. A pandemia mostrou que uma boa assistência vai além da abertura de leitos, incluindo bons médicos e número suficiente de profissionais da saúde”, disse Furtado.

Além disso, segundo ele, a Covid-19 evidenciou as disparidades na oferta de leitos de UTI entre as diferentes regiões brasileiras.

Apesar do cenário crítico da disponibilidade de leitos, que oscilou ao longo da pandemia, Chrystina Barros ressalta que o Brasil conta com expertise na estruturação de hospitais de campanha.

“O Brasil tem tradição e experiência de atender com hospitais de campanha em tragédias humanitárias, como o terremoto no Haiti e outras situações onde levamos nosso conhecimento e infraestrutura. Nós conseguimos trazer os hospitais de campanha que foram fundamentais por todos os lugares do país”, diz.

Em janeiro de 2021, Manaus, no Amazonas passou por uma das situações mais críticas da pandemia no país. Diante do aumento expressivo de casos provocados pela rápida disseminação da variante Gama do coronavírus, a capital amazonense enfrentou o desabastecimento de oxigênio.

Como a infecção pode afetar gravemente o trato respiratório e os pulmões, muitos pacientes internados precisam de suporte e ventilação extra. Com o colapso no sistema de saúde local, a escassez de oxigênio levou à morte de pacientes na capital.

A crise de oxigênio foi um dos alvos da investigação da CPI da Pandemia, que apontou indícios do que teria levado ao desabastecimento do insumo.

Baixa testagem e rastreamento de contatos

Desde o início da pandemia, em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a testagem como medida sanitária essencial para o enfrentamento da pandemia. Combinadas as ações vão desde a testagem ao rastreamento de possíveis infectados.

A partir do diagnóstico oportuno da doença, deve-se providenciar o tratamento adequado dos pacientes, orientar o distanciamento social e promover o rastreamento dos contatos, que são aquelas pessoas que podem ter sido expostas à infecção.

Embora seja uma estratégia essencial para o acompanhamento do cenário epidemiológico, a testagem ainda é insuficiente no Brasil segundo especialistas. O Ministério da Saúde foi procurado para responder às críticas apontadas pelos profissionais da área, mas não obteve retorno até a conclusão desta reportagem.

O Brasil conta com três laboratórios de referência para a realização do diagnóstico, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo e o Instituto Evandro Chagas, no Pará.

Embora haja uma capacidade instalada para a realização do diagnóstico, em especial pelos três laboratórios centrais de saúde pública dos estados, o avanço na testagem ainda esbarra na falta de insumos e de equipes para o processamento dos testes em tempo mais hábil.

“Sentimos a falta de investimento na atenção básica, aqui com um importante papel no diagnóstico precoce e testagem, para uma melhor gestão e contenção da pandemia, quando ainda era possível”, afirma Chrystina.

“Faltou um controle efetivo na vigilância de portos, aeroportos e fronteiras, no que diz respeito a testagem, mapeamento genético de amostras e todo o investimento também necessário para a melhor gestão da pandemia”, completou.

Países como o Reino Unido, Estados Unidos e a África do Sul contam com uma capacidade de testagem superior à do Brasil. Além do diagnóstico, a realização do sequenciamento genômico do vírus favorece a rápida detecção de variantes, como a Ômicron, identificada em novembro de 2021.

No que diz respeito à compreensão das características da doença, o infectologista Álvaro Furtado avalia que o Brasil alcançou avanços significativos no entendimento da epidemiologia da Covid-19, especialmente pelo investimento técnico e científico em instituições de ensino e pesquisa públicas.

“Não sabíamos absolutamente nada sobre como tratar esses pacientes, evoluímos muito bem nesses últimos dois anos. Hoje, entendemos quais são os mecanismos de agressão no pulmão, as fases clínicas da doenças e as drogas que temos disponíveis para o tratamento que realmente têm evidências científicas de eficácia”, afirma.

Efeitos da troca de ministros

Desde março de 2020, o Brasil contou com quatro ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga. Na avaliação dos pesquisadores, as mudanças frequentes no comando da pasta dificultaram o estabelecimento de uma linha clara e consistente de gestão.

“Faltou coordenação do ponto de vista de gestão do Ministério da Saúde de forma que todos os estados e unidades da federação falassem a mesma língua com relação às vacinas, por exemplo. Faltou um pouco de comunicação social, no sentido de falar com a população e explicar de forma didática formas de prevenção e o incentivo à vacinação”, afirma Álvaro Furtado.

Para os especialistas, um discurso uniforme na definição de fechamento e reabertura dos serviços poderia ter tido impactos positivos como o número menor de casos e de óbitos.

“Colocar à mesa os gestores de todas as esferas como prevê o SUS – gestão estadual, municipal e federal, para que as orientações, a troca de informações, os manejos de recursos, a própria implantação de medidas restritivas, fluxo de referência e de pacientes entre áreas distintas: tudo isso deveria ter sido capitaneado pelo Ministério da Saúde”, afirma Chrystina.

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