Domingo, 22 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 15 de março de 2023
A revelação de que Agência Brasileira de Inteligência (Abin) operou um sistema secreto de monitoramento durante os três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro levantou uma série de questionamentos.
O órgão adquiriu uma ferramenta capaz de obter a localização de cidadãos em todo o território nacional por meio de seus telefones celulares. As dúvidas ainda abertas sobre o caso vão dos critérios empregados para definir alvos ao embasamento jurídico que respaldasse o trabalho dos agentes.
A ferramenta, chamada “FirstMile”, ofereceu à Abin a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Ela permitia, sem qualquer protocolo oficial, acompanhar os passos de até 10 mil proprietários de aparelhos a cada 12 meses. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e verificar em um mapa a última localização conhecida do dono do aparelho.
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permitia rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferecia a possibilidade de acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.
A agência de inteligência comprou o software por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer. O sistema foi utilizado ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou que a Corte de Contas abra uma investigação sobre o caso. O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também disse que o parlamento deve apurar a compra da ferramenta. Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o uso do sistema será levado à Controladoria-Geral da União (CGU).
Alvos
Na prática, qualquer celular poderia ser rastreado pelo programa, com limite de 10 mil proprietários de aparelhos a cada 12 meses. Ao defender abertura de CPI, o líder do governo, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) falou que o primeiro passo é “checar quais foram os alvos”.
Integrantes da Abin relatam que o mecanismo era usado sem a necessidade de registros sobre quais pesquisas eram realizadas. Na prática, qualquer celular poderia ser monitorado pelo programa sem uma justificativa oficial. A utilização da ferramenta gerou questionamentos internos no órgão, inclusive com relatos de sua utilização contra os próprios agentes. A polêmica resultou em um procedimento interno para apurar os critérios de utilização e a regularidade da contratação dessa tecnologia de espionagem.
Quem monitorou
A CGU, que tem a função de acompanhar a execução de ações disciplinares, analisará se servidores estão envolvidos no manejo da ferramenta. Segundo um oficial da inteligência, o programa podia ser manejado “sem controle” e não era possível saber se foram feitos acessos indevidos.
Critérios
Um integrante do alto escalão da Abin afirmou que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o acesso a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência operava a ferramenta alegando serem casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico. Parlamentares pediram apuração diante da possibilidade de “uso pessoal da ferramenta”.
Legalidade
Especialistas questionam a utilização desse tipo de serviço pela Abin. A lei que regula a agência, de 1999, não prevê entre suas atividades o monitoramento de celulares nem a vigilância da geolocalização de determinados alvos. O órgão também não possui autorização legal para acessar dados privados e não esclareceu o monitoramento feito sem protocolo oficial.