Quinta-feira, 24 de abril de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 3 de setembro de 2022
Por que uma companhia aérea pagaria o piloto e a tripulação, encheria o tanque de um avião comercial de combustível e decolaria sem transportar carga ou passageiros suficientes para justificar o gasto? Isso realmente acontece?
Sim, todos os meses na Europa decolam dezenas de aviões que estão basicamente vazios ou com menos de 10% da sua capacidade — e que são conhecidos como “voos fantasmas”.
Há anos, o fenômeno — que não ocorre na América Latina ou no Caribe — é uma realidade, mas com a chegada da pandemia de covid e as restrições às viagens, o problema se tornou mais premente.
Muitos aeroportos exigem que as companhias aéreas realizem pelo menos 80% dos voos programados para manter seus direitos de pouso e decolagem em determinados horários (slots). Isso deixa as empresas com uma margem de cancelamento de 20%.
Se suas operações não atenderem a esses percentuais, elas são obrigadas a operar aviões vazios para manter seus slots ou, no ano seguinte, correm o risco de perder os melhores horários comerciais.
Decolar de Londres às 6h da manhã não é o mesmo que decolar às 8h ou 9h. Tampouco é igual pousar em Madri às 17h e à 1h da manhã, quando o metrô já fechou e as conexões de transporte com o centro da cidade são mais complicadas. O preço também não é o mesmo.
É por isso que, nos aeroportos mais congestionados, e para organizar todo o tráfego aéreo, a Comissão Europeia e a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos aplicam a regra “use [o slot] ou perca”.
“Os voos fantasmas são definidos como aqueles operados voluntariamente pelas companhias aéreas exclusivamente para preservar os direitos históricos sobre seus slots”, explica o Conselho Internacional de Aeroportos (ACI, na sigla em inglês).
A entidade, que representa os interesses dos aeroportos perante os governos, acrescenta que “os voos fantasmas não são colocados à venda, não transportam passageiros e não geram receitas para as companhias aéreas”.
A situação na América Latina e no Caribe é diferente. Deve-se ter em mente que o sistema de slots está em vigor nos aeroportos com capacidade no limite. “Obviamente há aeroportos congestionados em alguns países como Brasil ou México e em determinados horários no Peru e na Colômbia, mas na região isso não está acontecendo porque a capacidade dos aeroportos não chegou a um ponto em que precisem de restrições”, diz Diego R. González, presidente da Associação Mundial de Advogados de Aeroportos..
É que, embora após a pandemia o volume de passageiros esteja se recuperando, o número de movimentos de aeronaves não é tão representativo a ponto de obrigar os aeroportos a tomar medidas.
Críticas
Muitos acreditam que os voos fantasmas não beneficiam ninguém — e que é uma prática desnecessária e perdulária.
Outros creem que a distribuição coordenada de slots nos aeroportos que estão em sua capacidade máxima possível, garante a concorrência entre as companhias aéreas e beneficia os consumidores.
“São voos que, a priori, não fazem sentido econômico e muito menos ambiental. Se queima muita querosene, o que tem um claro impacto nas mudanças climáticas”, diz González.
A chave está justamente no aspecto comercial.
“Os slots são aqueles horários ou turnos atribuídos. Se não os utilizam, são penalizadas. No ano seguinte, a autoridade aeroportuária cede para outra empresa, e para as companhias aéreas, é uma forma de perder mercado”, diz González.
Para o advogado, há uma disputa entre as companhias aéreas tradicionais e as recém-chegadas ao mercado, o que incentiva as transportadoras a se esforçarem ao máximo para cumprir com o regulamento, mesmo que seja voando vazias.
“As companhias aéreas que dominam o mercado fazem isso porque têm os melhores horários, que são os mais caros. São as rotas que chegam aos aeroportos no horário central em termos de conveniência”, explica.
Dano ambiental
A todo este frágil equilíbrio da indústria de aviação se somam os danos ambientais.
A aviação é responsável por cerca de 2% das emissões globais de CO2, mas o setor como um todo responde por cerca de 3,5% do aquecimento global devido à atividade humana.
Desde 2000, as emissões aumentaram cerca de 50%, e a expectativa é de que a indústria cresça mais de 4% a cada ano nas próximas duas décadas, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
O dano ambiental dos “voos fantasmas na Europa”, segundo o Greenpeace, é “equivalente às emissões anuais de mais de 1,4 milhão de carros”.