Sábado, 14 de dezembro de 2024

Sem reação da Justiça, “quem perder eleição achará que pode dar golpe”, diz o presidente do Supremo

Do seu gabinete no 3º andar do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, observa algumas pessoas tirando fotos na Praça dos Três Poderes. Há dois meses, o magistrado retirou, junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a maior parte das grades que ainda cercavam o prédio. Foi um gesto simbólico para representar a superação de um momento no qual o Judiciário foi alvo de ataques, cujo ápice da barbárie culminou nos atos golpistas do dia 8 de janeiro. Agora, Barroso avalia que o STF precisa dar respostas às investidas antidemocráticas:

“Se a Justiça não reage de maneira adequada, nas próximas eleições o grupo que perder vai achar que pode fazer a mesma coisa”, afirmou o presidente do Supremo, em entrevista exclusiva ao Globo.

Principais trechos

1. O senhor assumiu a presidência do STF em meio à tensão entre Judiciário e Legislativo, marcada pelas votações do marco temporal, da descriminalização do porte da maconha e da retomada do foro privilegiado. Como vai contornar esse conflito de pautas?

Eu não acho que haja conflito. A democracia não é o regime político do consenso. A democracia é o regime político em que a divergência é absorvida de maneira civilizada e institucional. Portanto, é possível que, em relação a alguns temas, parte do Congresso tenha uma visão diferente do que tenha sido decidido pelo Supremo. Não acho que haja crise, tensão e desarmonia. Há, por vezes, visões diferentes.

2. Quase seis anos depois de restringir o foro privilegiado, o STF está revisitando o tema. Isso não deveria ser assunto do Congresso?

O que estamos discutindo é se depois de deixar o cargo deve ou não continuar o foro. Quem interpreta a Constituição é o Supremo. Vejo com naturalidade o fato de o tema estar sendo discutido no Congresso, onde se debatem as questões públicas. É normal que no Congresso existam visões que concordem com o Supremo e que divergem.

3. Uma pesquisa do Datafolha mostra que a reprovação ao trabalho do STF caiu 10 pontos entre dezembro de 2023 e março de 2024. Isso tem relação com a investigação da suposta trama golpista?

É possível que a próxima pesquisa diga que caiu a popularidade do Supremo. Depois, vai ter outra que vai dizer que subiu. Não podemos medir o mérito do tribunal pela popularidade aferida em opinião pública.

4. O senhor foi alvo de críticas no governo Bolsonaro. Qual foi o momento mais difícil?

O pior momento foi o risco da volta do voto impresso, porque sempre achei que ali estava o germe do golpe, a volta ao modelo fraudulento de eleições para poder alegar que houve fraude. Achei que era uma batalha de quase vida ou morte pela democracia brasileira. Me empenhei muito para que não passasse a volta ao voto impresso. Não cometi ativismo legislativo, como eles disseram, porque eu fui ao Congresso convidado.

5. Há indícios de que o ex-presidente comandou essa trama golpista?

Processo, para mim, é prova. Portanto, o processo ainda não chegou ao plenário do Supremo. Não tenho opinião sobre isso e, mesmo que tivesse, jamais a anteciparia.

6. Um dos instrumentos que o STF usou para combater esses ataques é o inquérito das fake news, que tramita há cinco anos. Esse tempo é excessivo?

Não é o inquérito que tem se prolongado indevidamente, mas são os fatos que, infelizmente, têm se multiplicado e aparecido ao longo do tempo. Eu tinha a expectativa de que quando acabássemos de julgar os casos do 8 de Janeiro, naturalmente, o inquérito caminharia para uma conclusão. Mas aí veio a questão da articulação de um golpe de Estado. Isso é muito grave.

7. Qual resposta o STF dará para a suposta trama golpista?

Se a Justiça não reage de maneira adequada, nas próximas eleições o grupo que perder vai achar que pode fazer a mesma coisa. Ou se nós não enfrentamos a tentativa de golpe, o próximo que perder também vai achar que pode articular um golpe. O Direito tem esse papel dissuasório de novos comportamentos ilícitos.

8. Há dúvidas sobre a aplicação do entendimento do STF quanto à responsabilização de empresas de mídias por divulgarem entrevistas com falsas acusações. De que forma o STF garante que a liberdade de expressão não será violada?

O STF tem sido um grande defensor da liberdade de expressão, atuando contra todo o tipo de censura, inclusive a judicial, quando feita pelas instâncias inferiores. Este é um precedente que vale apenas para o caso em que haja dolo muito grande do entrevistado e uma negligência muito grande do órgão de imprensa. É uma combinação que não é a mais comum. Na formulação da tese, eu vou conversar com o Tribunal para deixar isso exposto com o máximo de clareza possível.

 

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