Quinta-feira, 28 de março de 2024

Pessoas expostas ao coronavírus que não adoeceram inspiram novo estudo

Abraçar, beijar na boca, fazer sexo e dormir junto: atitudes comuns entre casais têm desafiado a ciência a entender como e por que, em alguns casos, só um dos parceiros se infecta com o coronavírus.

Com o contato próximo e a convivência prolongada, pesquisadores querem desvendar qual mecanismo, possivelmente em genes do sistema imunológico, seria capaz de barrar a doença. É a chamada resistência inata à covid-19, que pode fornecer caminhos para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos que impeçam o contágio.

Um desses casos em potencial é o do casal Paulo Linhares, de 56 anos, e Sandra Matos, de 45. O diretor de implantação de redes de telecomunicação, que só havia tomado a primeira dose da vacina à época, conta que sentiu fadiga e dores de cabeça e no corpo no fim de maio — sintomas que atribuía a uma gripe mais forte e a uma possível intoxicação alimentar antes do diagnóstico.

“Quando fiz a tomografia do pulmão, estava 25% comprometido. Minha mulher e meu filho fizeram PCR e não deu nada. O que me deixou mais intrigado foi que eu comecei a fazer uma relação dos clientes com quem estive (durante os sintomas, para avisá-los), e ninguém foi diagnosticado ou pelo menos não teve sintomas”, conta Linhares. “Não me lembro de ter encontrado alguém que teve Covid e peguei. Já minha esposa, que todos os dias me beijou na boca e dormiu comigo, não se infectou.”

História semelhante viveu o casal de estudantes de direito Willian Azevedo e Eunice Xavier, ambos com 22 anos. O jovem teve um quadro moderado de covid-19, sentiu falta de ar e precisou ser hospitalizado ainda em julho, dias antes de ser elegível para a vacina. Já a namorada dele, mesmo em contato próximo e quase diário, não desenvolveu sintomas e teve resultado negativo do RT-PCR.

“Ficamos juntos no sábado, no domingo e nos vimos durante a semana Na quarta, quando começaram os sintomas dele, a gente se abraçou, se beijou, dirigi o carro dele… Quando saiu o (resultado) positivo dele e o meu negativo, a gente foi direto ao hospital. Ele tomou medicação e eu fiquei em observação. Por orientação médica, me isolei em casa para ver se iria desenvolver algum sintoma e não tive nada”, relembra Eunice.

Não há estatísticas que estimem a ocorrência dos chamados casais discordantes, mas o fenômeno pode contribuir para o avanço do que já se sabe da prevenção e do tratamento à doença. Um estudo, capitaneado pelo consórcio internacional COVID Human Genetic Effort, busca identificar quais mecanismos desencadeariam quadros graves em pessoas sem comorbidades, por exemplo. O grupo reúne cerca de cem laboratórios ao redor do mundo.

“Não temos tratamento específico para o vírus. Uma das formas de encontrá-lo é entender que mecanismos permitem que ele entre e se replique mais facilmente no organismo e em que situações o corpo impede a infecção”, descreve a imunologista e professora de Medicina Translacional do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, Carolina Prando, que participa da iniciativa.

Publicado na revista científica Nature, o artigo “A global effort to dissect the human genetic basis of resistance to SARS-CoV-2 infection” (em tradução livre, “Um esforço global para dissecar a base genética humana da resistência à infecção por SARS-CoV-2”) dá o pontapé inicial da investigação, que se estenderá durante os próximos meses.

“(O trabalho) não traz respostas, mas perguntas”, declara Prando.

Falhas imunológicas

Em trabalhos anteriores, o consórcio de pesquisadores já descobriu falhas no sistema imunológico que ajudavam a explicar casos graves em pessoas sem comorbidades. Entre elas, alterações em genes que coordenam a produção dos interferons tipo 1, proteína fabricada por leucócitos e fibroblastos para atrapalhar a reprodução de microrganismos e células tumorais e favorecer a defesa em outras células.

Outra falha são os autoanticorpos, isto é, um anticorpo que neutraliza o interferon tipo 1. A médica compara a situação a uma espécie de “doença autoimune” subjacente, que não seria descoberta sem a pandemia, e explica que esse interferon é uma “via essencial” no combate à covid-19:

“Cerca de 10% de pessoas com covid grave podem ter esses autoanticorpos e esse percentual aumenta conforme a idade. A presença deles é responsável por cerca de 20% dos casos de pneumonia de covid-19 letal acima dos 70 anos.”

O artigo lembra casos de resistência inata à infecção, como a tuberculose. A ideia é não só entender o que impede a infecção, mas também desenvolver medicamentos.

“Pretendemos identificar genes candidatos com variantes potencialmente raras. Essas variantes são de particular interesse por dois motivos. Em primeiro lugar, podem fornecer uma compreensão profunda das vias biológicas essenciais envolvidas na infecção pelo SARS-CoV-2. Em segundo, permitirão o desenvolvimento de intervenções terapêuticas inovadoras”, escrevem.

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