Segunda-feira, 02 de dezembro de 2024

De bem avaliada a pressionada: por que a ministra da Saúde foi um dos principais alvos na reunião com Lula

Na mira do Centrão por chefiar um dos ministérios de maior orçamento – e maior cobiça – da Esplanada, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi um dos principais alvos de cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião ministerial de segunda-feira (18). Até então bem avaliada dentro do governo por conseguir retomar com sucesso políticas importantes e que eram promessas de campanha do presidente Lula, como o Mais Médicos, ela agora lida com sucessivos desgastes causados por falhas na condução das crises Yanomami e da dengue e pela pressão que sofre por sua falta de traquejo político.

Somam-se ao cenário trapalhadas internas que acabaram dando munição aos que cobiçam seu cargo, como foi o caso do episódio do final de fevereiro em que o ministério publicou uma nota técnica sobre regras para realização do aborto legal, que acabou sendo revogada por Nísia no dia seguinte após forte reação de parlamentares conservadores. No ano passado, uma apresentação com dança erótica em um evento da pasta já tinha gerado desconforto no governo, forte reação da oposição e muitas críticas nas redes sociais.

Na última semana, Nísia ganhou nova dor de cabeça com a crise dos hospitais federais do Rio. No domingo (17), o Fantástico, da TV Globo, exibiu reportagem mostrando a precariedade e os problemas de atendimento em seis hospitais federais do Rio, que foram alvo da intervenção do Ministério da Saúde na semana passada, com a criação de um comitê gestor que vai centralizar as compras dessas unidades. Ainda na segunda à noite, a pasta anunciou a exoneração (demissão) do diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), Alexandre Telles. A função passará a ser acumulada pela superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Maria Aparecida Braga.

Engrossa o caldo de problemas para Nísia o apetite do Centrão pela pasta, que já vem sendo demonstrado desde o ano passado. A pressão vem tanto pelo fato de a Saúde ser o ministério com o terceiro maior orçamento da União (R$ 231 bilhões) quanto por reclamações de parlamentares de demora da gestão Nísia em liberar emendas. Lula tem dito que a ministra está firme no cargo e que tem a sua confiança, mas as crises recentes têm tensionado a situação, gerando críticas até dentro do PT.

O maior dos desgastes, na visão de membros do governo, foi o fracasso da ação federal em território Yanomami, representada pelo aumento do número de mortes de indígenas Yanomami em 2023 em comparação com o ano anterior – o último do governo de Jair Bolsonaro. O cenário ocorreu mesmo após o governo Lula ter declarado emergência em saúde pública em janeiro de 2023 por causa da grave situação do povo indígena e anunciado uma série de investimentos e ações para expulsar o garimpo e melhorar a assistência no território, anúncio que, um ano depois, não teve os resultados esperados.

No ano passado, foram 363 mortes, ante 343 em 2022. O ministério argumentou que os dados da gestão anterior não correspondem à realidade porque a precarização dos serviços de saúde indígena dos últimos anos levaram a uma subnotificação de mortes. Ainda assim, dizem especialistas e lideranças indígenas, mortes evitáveis, como as por desnutrição e malária, continuam ocorrendo. Além disso, parte dos postos de saúde segue parada dentro da reserva indígena, que ainda tem partes dominadas pelo garimpo ilegal. A crise, portanto, não é só de Saúde, mas ambiental e de segurança.

Bronca 

Os dados do aumento de mortes de Yanomami geraram incômodo no Palácio do Planalto a ponto de Nísia receber uma ligação exaltada do presidente Lula cobrando explicações.

O presidente não só reclamou dos maus resultados da força-tarefa em terra Yanomami, mas também da forma que os dados de mortalidade vieram à tona, por meio de reportagens na imprensa abastecidas por dados passados pelo próprio ministério via Lei de Acesso à Informação.

Lula chamou a atenção da ministra para o fato de que as estatísticas foram enviadas aos jornalistas sem a devida contextualização da suposta subnotificação de mortes na gestão anterior. Dias depois, a própria pasta fez uma coletiva de imprensa fazendo essas ressalvas.

Especialistas dizem que, mesmo que tenha havido subnotificação nos anos do governo Bolsonaro, os números de óbitos de 2023 foram altos, ainda mais considerando a promessa da gestão Lula de levar assistência à região.

“A discussão de (o número de mortos) ser maior ou menor do que o da última gestão pra mim é uma discussão política. Do ponto de vista técnico, pode até ser que o número real de mortos tenha sido maior em 2022 do que em 2023, mas ainda tem muitos indígenas morrendo de desnutrição e malária e as ações deveriam estar sendo mais céleres porque não podemos admitir isso”, afirma o infectologista Julio Croda.

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